segunda-feira, 14 de março de 2011

ANTIGAMENTE

   Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais,
e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços 
de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se 
esquecer de lavar os pés, sem tugir, nem mugir. Nada de bater na
cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois 
levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e 
logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua nem 
escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da 
instrução moral e cívica. O verdadeiro smart calçava botinas
de botões para comparecer todo liró ao copo-d'água, se bem
que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos.
Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de
dois bicos, pelo que carecia muita cautela e caldo de 
galinha. O melhor era por as barbas de molho diante de um
treteiro de topete: depois de fintar e engambelar os coiós, e 
antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco.
O diacho eram os filhos da Candinha: quem somava a candongas 
acabava na rua da amargura, lá encontrando, encafifada muita gente 
na embira, que não tinha nem para matar o bicho, por exemplo,
o mão de defunto.
(Carlos Drummond de Andrade. Caminhos de João Brandão. Rio de Janeiro, Editora Record, 2002)

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